Depois da ausência....
...Depois, descubro que por vezes faço-te ter frio. Que subo vezes demais a montanha e o meu pensamento esconde ravinas, onde me quedo e até as conseguir entender, fico sem saber se a montanha sou eu, se sou eu a querer ser algo que me proteja.
Mas hoje, olha...Estou a descer da construção, que faz parte de mim, mas jamais será a minha totalidade e venho até ao teu vale que nunca esqueço.
Acarinho-te com o amor incondicional que sinto, enquanto tu diminues o uso de energia no planeta, e usas o autocarro. Não consideras imprescindível ir de táxi como recomendo. És agora autónoma e embora respeites e oiças o que digo e peço, consegues tomar as tuas próprias opções. Se bem que ao ouvir-te arfar e perante o perigo de seres assaltada a minha vontade fosse dar-te um sermão sobre os riscos que corres, a tempo consegui refrear o vendaval, pois sei que os conheces tão bem como eu. Não posso fazer o caminho, ou caminhos que tomares e confio que saberás conduzir-te. É possível que algumas vezes vá discordar e não me agradar o que escolhes, mas és tu que tens de viver a tua vida, não eu, nem ninguém por ti. Ver-te florescer é algo único, mas por vezes pode ser assustador, são uns breves momentos, mas reais e faz parte, digo eu, de quem acompanha a evolução dos filhos.
O teu equilíbrio é agora diferente do anterior. Superaste com mestria, o período onde habitou a confusão, a dor e torpor, onde estiveste submergida, pela perda da tua segunda mãe, deste-te tempo para descobrires que as memórias são como latas de sardinha sem data de validade e podes escolher abrir ou fechar a lata, com a diferença que jamais azedam ou se estragam com o tempo. Se negarmos as saudades, as memórias, elas tendem a revoltar-se, por isso sempre incentivei a não negar o que vivemos e partilhámos com aqueles que amamos.
Agora mais do que nunca, tentas encontrar a tua serenidade e o teu discernimento aumenta, quando descobres que podes e deves estar reconciliada contigo mesma. Aos poucos tens dado conta como vivemos perante a discórdia e entre os conflitos e temos de os saber gerir e isto de saber, parece mais fácil de escrever do que fazer, até porque em momentos em que estamos mais vulneráveis é uma tarefa ardua.
O teu empenho e vocação é notório,acredito que podes fazer e acontecerem coisas extraordinárias espero é que não te esqueças de nunca retirares do teu espírito mais do que aquilo que lhe deve retornar.
Minha pequena Sara(r), tenho muito orgulho de ti.
Paraste por fim de andar a saltar ao pé cochinho, não sem antes esqueceres que precisas de um pé de apoio no chão para conseguires saltares e tentaste o impossível que é fazer essa acrobacia com ambos os pés no ar. Resultado deste um trambolhão aparatoso. - “Olha, mãe, com um pé no ar!” - “Olha mãe com os dois pés no arrrrrr…”
Depois da queda, veio a dor. Tentei Sara® o melhor que consegui e foste indicando algumas feridas e arranhões, mas a cicatrização só agora aconteceu. Aliás vejo-te já com alguma vontade de arrancar a crosta…(Fica queda, que mais dia menos dia ela acaba por cair!)
Tenho orgulho em ti, miúda! (Mesmo por teres tentado andar aos saltos sem pés…Porque ao menos tentaste! Não te podes arrepender daquilo que não fizeste, é bem verdade, mas também jamais vais ficar a remoer sobre como seria se…Ao menos tivesses conseguido permitir-te.
Lembra-te, és Sara desde que eras um embrião, pode demorar mas acabarás sempre por Sara®.
Hoje… Hoje passo a ferro com um afago com mais vigor ainda todos os teus vincos, esses que nestes últimos tempos foste acumulando. Enquanto redobro o carinho, vou relembrando que não te falta mérito no teu espírito e que todas essas perturbações irão passar. Quero que saibas que não sou adepta da totalidade de dogmas, aliás se fosse dada a utopias escreveria que não pratico mentalmente nenhum dogma, mas isso seria enganar-te e tentar enganar-me. Não preciso de o fazer. Sim, pratico algumas verdades absolutas, uma delas é a certeza que a esperança acaba sempre por reaparecer. Outra é que por maior que seja o acidente e por mais marcas que deixe a nossa resiliência acaba sempre por os superar. Alegra-me que comeces por fim a tentar despir esse suplício que não tem nenhuma serventia para ti e que te abafa os sentidos e a vontade. Pode ser que desta vez, consigas ver o quanto de resplandecente existe ao teu redor e no teu espírito, mesmo quando atravessas momentos negativos, mesmo quando te submetes e te ofereces e oferecem, em sacrifício. Não vamos dar hoje nomes vulgares com profusão a tudo o que de complicado tens passado, a tudo o que tem provocado esses teus tremores de essência. Não. Hoje eu escolho que vou vociferar: -- Tenho terror mórbido a tudo o que pode provocar coerção no meu universo., a tudo o que pode lesar e provocar-me dano. Podes escolher ficar em silêncio, gritares ou simplesmente ficares a ver, existe mais algumas opções e todas são viáveis, só tens de escolher a que é mais apropriada para ti. (Digo-te já que estas palavras em voz alta soam um pouco estranhas, no entanto se tenho necessidade de as dizer, quem me pode impedir além de mim mesma?)
Não existo para posar para os outros, aliás palpita-me que deve ser terrível passar horas imóvel, se tiver que ser o modelo de alguém escolho ser o meu próprio. Os outros vão sempre pintar-te, a escolha das cores com que o fazem isso não podes controlar, mas se resolveres posar que seja par te pintares a ti mesma e sejas tu a usar o pincel nos teus quadros. Acredito que no meio das pinturas que faças ,apareça o que de abundante existe em ti e que teimas em não ver. Verás que nas tuas pinturas existe um equilíbrio que se manterá mesmo nos momentos mais alvoraçados. (Se eu em vez de ser tua mãe, ou melhor ainda, se além disso fosse Einsteiniano, devia conseguir desenvolver uma teoria que explicasse estes momentos, mas não sou. Por isso esquece a parte das teorias! Não as tenho, assim como não tenho crispação para te ofertar. No entanto sentimentos esses não me faltam e estão sempre presentes.)
Um dia destes peço-te que enxotes comigo todas as anátemas que te rodeiam e que são inconfessáveis. Mas se o fizer será quando sentires o aroma intensificado de novas fragrâncias no ar, porque hoje só tenho a pretensão de ver um sorriso vernar na tua essência.
Vou colher brincos-de-princesa para te ofertar, enquanto isso passo a mão na rosa-dos-ventos invisível que tens gravada na pele. Se novamente acontecer sentires que estás perdida podes tactear na tua pele e descobrirás todos os pontos cardeais. Não acreditas? Pois afirmo, que além de estarem na tua pele, também estão tacteados no teu espírito. (Mais um dogma! Se o tiver de o explicar então a afirmação deve-se a ter acompanhado o teu crescimento durante dezanove anos. O que disse foi uma conclusão verídica e já verificável anteriormente.) Mesmo que os ventos mudem, mesmo assim tens traços já em ti que não permitirão que fiques perdida por muito tempo, nem que sintas desamparo. Mesmo que os obstáculos se multipliquem, mesmo que por vezes pareças estar perante um ninho de vespas, mesmo assim terás clareza para te conseguir guiar até outro caminho.
Hoje menos desnorteada, menos exausta que ontem, ainda assim em negociações com o teu espírito, conversas durante o caminho comigo. Oiço o “toc toc” dos saltos das tuas botas, quase parecem formar uma melodia que acompanha as tuas palavras. A meio do caminho já estás a ficar ofegante, o exercício parece penoso de fazer, no entanto continuas, mais um e outro passo, um pé à frente do outro, informas-me que já estás quase a chegar.
-“ Estou a abrir a porta.”
Oiço o ranger da porta pelo telefone, assim como nestes últimos tempos tenho ouvido o barulho dos relâmpagos que não pararam de te bombardear, mesmo assim continuaste no teu implacável silêncio.
_ “Os outros não precisam, nem quero que imaginem que estou em sofrimento.” – afirmaste por mais que uma vez.
Tenho acompanhado a forma como tens andado dorida, magoada a tentar decifrar qual é o caminho por onde deves ir. O temporal sem que dês por isso começou a aplacar e reconquistas o teu espaço, em breve encontrarás a tua rota, seja a que começaste, seja outra… Estás em franca recuperação, embora ainda não seja visível para ti. Ou talvez seja eu como mãe que prefira encarar assim. Não sei, mas o tempo o comprovará…
Por agora vou tentando, por vezes de forma inglória, impedir que vás fechando o gradeamento em teu redor.
Todos temos padrões repetitivos e persistentes. Não considero grave. A menos que a mania a que te refiras, seja a que é conhecida como crise da Mania, ou
Episódio Maníaco! (Humor eufórico ou facilmente irritável, incapacidade de concluir um pensamento, delírios de grandeza, conseguir e necessitar conversar ininterruptamente durante horas a fio. A chamada conversa da treta, onde se recorrem a trocadilhos, senso comum e adágios.)
Andam para aí muitos maníacos, mas não é o teu caso.
Já quando resolves sitiar o teu universo, isso sim é uma mania manhosa…
Nunca lidaste bem com a sensação de impotência. (Mas não conheço ninguém que lide bem com ela. Também não é preocupante.) Quando acontece, resolves que tens fazer algo, seja de forma consciente ou inconscientemente a verdade é que fazes sempre algo. (Aqui está uma mania que tens mantido desde criança).
Vociferas por todos os poros, mas raramente tornas audível aos outros o que pensas. Vociferas em silêncio:
- Tenho direito a pelo menos a uma existência tolerável, por isso não me aborreçam o cérebro! Não me rotulem! Não me massacrem com as vossas opiniões sobre o que faço ou deixo de fazer, se só viram uma parte do filme, porque teimam em querer contar a totalidade do que não viram e nem sentiram? Guardem as vossas sacrossantas opiniões sobre os outros, mas a mim não me estripam mais com palavras, nem com olhares!
Meneio a cabeça quando sinto o teu sofrimento. Estendo-te o meu carinho, mas sem imposições, ou obrigações. Estou aqui, estarei sempre aqui para ti.
Tacteias o momento com um cuidado redobrado. Acordas com receio do que hoje terá para te ofertar. Secretamente olhas para o relógio, implorando que o tempo, este tempo onde te sentes cativa da dor, passe num ápice, mas os minutos parecem passar de forma indolente. Vi-te por várias vezes com o olhar preso no relógio da cozinha e a expressão de desânimo no teu rosto, quando comprovavas que afinal não tinham ainda nem passado cinco minutos. Ao mesmo tempo preocupa-te que se passar, venha a ser como ontem e dês por ti a viver num local onde os outros abandalham a tua existência…
Onde não existe mais a tua avó.
“- Porquê, mãe? Porquê?”- Repetes mais uma e outra vez o mesmo e eu fico inerte sem conseguir responder-te.
Preocupa-me que a tua construção esteja em perigo de derrocada parcial, embora não o afirmes directamente, vais dando sinais de que algumas pedras da tua construção já se soltaram não estás a conseguir lidar com a dor, por isso uso tabiques e reforço o teu telhado e as vidraças que algumas pessoas tem tido o descuidado de danificar com as suas pedradas e ventanias.
Mostro-te que jamais o teu espírito se tornará uma ruína, seja porque tens mais coragem do que aquilo que imaginas, seja porque até que necessites eu serei o teu apoio e aviso-te já que tenho já andaimes e cimento para retocar o que foi danificado, isto para o caso de tu não o fazeres. (Sei que acabarás por usar da tua tinta, do teu cimento, mas até lá eu empresto-te dos meus. Se bem que mais tarde tenho de te cobrar com juros o uso do material!!!)
Clamas por compreensão, por entendimento. Não o fazes com som, mas sim com o teu espírito, por isso e só por isso os outros não imaginam que neste momento não deviam contribuir ainda mais para o teu desgosto. Clamas por esperança, enquanto os pilhantes, os que te querem transformar o espírito numa pústula, tapam os ouvidos, ou sofrem de surdez e cegueira crónica e simplesmente parecem ignorar a tua dor . Duas dores, a perda da tua avó e a perda do que julgarias ser aquela pessoa, estão ambas agora aí a respirar contigo no mesmo espaço e não posso retirar-te nenhuma delas, tenho de esperar que consigas lidar com o teu luto.
Omites a lamúria, a dor, a tristeza, o desconsolo, a saudade, que não te deixa adormecer e enfrentas as querelas desses que te acompanham no dia-a-dia. Faleceu a tua avó e ninguém parece entender que te sentes mais frágil que noutro momento qualquer, nem assim são menos vorazes. Nem assim evitam ressequir-te mais . Mas não é desses que reza este momento. Mas sim daqueles que estão dispostos a gostar de ti pelo que és e te estendem a mão com carinho.
Sei que acabarás por escapar incólume, embora hoje te pareça que tal é improvável, já que agora tentam enredar-te com aquilo que opinam, com os seus olhares, com os seus ditos.
Além da resignação, tens o teu espírito grandioso, tens a coragem e isso jamais os outros podem profender!
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